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abril

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Um feminicídio na madrugada

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Um rio vermelho escorreu pelo seu corpo e espalhou-se pelo assoalho

Conheceram-se em um congresso sobre Tecnologia de Alimentos. Marianna ocupava uma alta função em uma multinacional. Poucos anos após sua graduação em farmácia industrial conhecia já todas as cidades do mundo nas quais sua empresa instalara uma fábrica. Entre as várias funções que desempenhava, a que mais gostava era a de verificar ponto a ponto a produção de cada item da produção.

Rodolfo atuava em uma companhia de comunicação e publicidade sediada na capital. Ávido por obter uma maior gama de conhecimentos em sua área de atuação sentou-se na primeira fila do grande auditório.

Seu coração disparou e quase petrificado ficou quando a viu aproximar-se da mesa principal onde o mais importante simpósio do dia seria apresentado.

Ao findar as palestras e discussões Rodolfo deu um salto a fim de ser o primeiro a cumprimentar aquela bela mulher que surpreendeu a plateia com seus avançadíssimos conhecimentos sobre tão importante assunto.

No dia seguinte ousou convidá-la para um rápido lanche no curto intervalo do almoço. E de perto dela não se afastou mais no decorrer de todo o congresso.

De amigos, tornaram-se namorados. Mudou-se para o apartamento dela. Nos fins de semana desciam para a praia ou subiam para as montanhas.

Marianna viajava muito. Cumpria longas jornadas pela América do Sul, África e Ásia.

No correr do tempo, do êxtase, aos poucos, Rodolfo voltou à sua velha rotina. Sentia-se seguro com aquele amor. Começou a chegar tarde no trabalho. E em casa também. Suas produções já não agradavam mais à chefia. Foi despedido. Não se importou. Tinha onde morar e o que comer. Marianna prosseguia em suas tarefas, em suas viagens.

A sós, no apartamento, imaginava-se o galã número um das telas cinematográficas. Sabia sempre o dia em que Marianna retornava. Começou um itinerário festivo pelas baladas noturnas e a exagerar nas taças do vinho que tomava. Em um crescendo criou coragem para, em certa noite, convidar uma garota para acompanhá-lo. E assim continuava noites e noites seguidas até o retorno de Marianna.

Já não escolhia mais quem levava para dormir com ele nas ausências dela. As garotas de programa até brigavam para serem as suas escolhidas. Pagava-lhes bons jantares, sempre regados a vinhos de escol, nos mais finos restaurantes. E a cada uma delas entregava uma polpuda gorjeta. Até o dia em que sua conta bancária estourou. 

Varejou o apartamento de Marianna em busca de joias ou algo precioso que pudesse trocar em espécie com algum agiota. Nada. Marianna nada guardava em casa.

Mas Rodolfo não suportava a ideia de não conseguir mais mulheres para suprir o seu prazer. Como se ainda estivesse com os bolsos cheios continuou suas andanças noturnas. Sua fama ainda corria entre as moças de programa. Enlaçou a primeira que para ele sorriu. Abraçados dançavam na soturna noite.

Ao pagar a conta no restaurante seu cartão de crédito foi recusado. Com um encantador sorriso explicou para a garota que havia trocado de carteira e deixado o novo em casa.

Ao final de muito agrado a moça consentiu em pagar a conta. Rodolfo prometeu ressarci-la em dinheiro, juntamente com o devido cachê.

Amanheceu e a jovem precisava ir embora. Rodolfo começou a abrir gavetas atrás de gavetas, como se estivesse a procurar o dinheiro. Anninka, como dizia chamar-se a garota, exasperou-se.

— Cara, olha aqui, vê se me paga logo o que me deve que eu preciso ir embora. Preciso descansar e tenho que fazer a vida…

A resposta de Rodolfo resumiu-se em uma série de palavrões. A discussão teve início. Fios vermelhos escorreram do rosto dele. As longas unhas afiadas de Anninka deixaram fundos sulcos em sua face. E com toda a brutalidade incrustada dentro dele investiu contra ela.

Ao fingir que procurava dinheiro encontrou um fino punhal. Na luta corporal que ali foi travada, a fina lâmina de aço atingiu a carótida esquerda de Anninka.

Um rio vermelho escorreu pelo seu corpo e espalhou-se pelo assoalho. Ao perceber a tragédia em que se envolvera inutilmente tentou pressionar o pescoço da vítima, a fim de estancar a hemorragia. O sangue arterial continuava a esguichar com violência atingindo móveis e paredes.

Um inerte corpo estendido no chão. Um alucinado rapaz com um pequeno punhal em uma das mãos. Suas vestes banhadas em sangue.

No momento em que pensava o que fazer, em como poderia livrar-se daquele cadáver ouve o inconfundível som de chaves e de uma porta a abrir-se.

Assim como estava corre até a entrada do apartamento. Não acredita no que vê.

À sua frente, trajada com seu elegante terninho preto, bolsa em uma das mãos e uma valise na outra, encontrava-se uma estupefata Marianna a olhar para ele.

Ensanguentado como estava tomou as mãos dela nas suas e tentou abraçá-la. Marianna nem perdeu tempo em perguntar-lhe o que havia acontecido. Saiu corredor afora a pedir socorro. Desceu o elevador e quando estava a conversar com o porteiro ouve as sirenes do carro da polícia.

Ao entrarem no prédio os policiais encontraram uma pálida mulher, com uma roupa muito chique coberta, de cima a baixo, com numerosas manchas de sangue. De imediato deram-lhe voz de prisão.

Haviam recebido a comunicação de um crime naquele edifício e que a suspeita tentava fugir. Com a descrição completa da roupa que Marianna trajava.

Algemada, foi levada para a mais próxima delegacia de polícia.

Nada tinha a declarar. Pediu para chamar o advogado da empresa. Que logo chegou com um colega criminalista.

A situação de Marianna estava difícil. Tanto os detetives da polícia civil como os legistas já haviam varejado o local do crime.

— Sim — afirmava ela —, acebei de chegar de uma viagem de serviço no exterior e meu namorado lá se encontrava. Só ele sabe o que aconteceu.

—Marianna — disse-lhe o amigo advogado —, quando a polícia lá chegou, ninguém encontrou.

Rodolfo agiu rapidamente. Jogou-se sob as águas do chuveiro. Com todo o cuidado para não deixar impressões digitais, lavou o pequeno punhal, cobriu-o com um lenço e atirou-o ao lado do corpo.

Colocou tudo o que estava ensanguentado em um saco plástico, desceu pelo elevador de serviço até a garagem e sumiu naquele fim de madrugada.

Após percorrer alguns quilômetros, em uma longa avenida, parou o carro junto a uma lixeira. Atirou lá dentro o sacolão de plástico e seu tétrico conteúdo.

Tomou uma estrada em direção ao norte. Levava consigo a bolsa de Anninka. Memorizara a senha de seu cartão de crédito. Sua intenção era esconder-se na floresta além da Serra dos Parecis.

Enquanto Marianna contava aos advogados o seu itinerário lembrou-se de não haver saído de imediato do aeroporto. Foi até uma cafeteria sorver o mais puro café brasileiro com aquele pão de queijo que em outro lugar jamais encontraria.

No aplicativo que sempre costumava usar chamou um carro que a deixou na porta de seu prédio. Em seu telefone celular estava tudo anotado. Foram em busca do motorista do aplicativo. Envolvera-se em um grave acidente a menos de meia hora. Encontrava-se em estado de coma na UTI do Hospital Regional.

Logo que Rodolfo atirou sua encomenda na lixeira, um perspicaz mendigo que por ali rondava vasculhou-a a fim de ver se sobrara algo para ele.

Feliz da vida, de imediato, vestiu a roupa de Rodolfo, sem perceber que estava quase toda coberta de sangue.

Andou apenas alguns passos. Foi pego pelos policiais de ronda. Como explicar que sua a roupa estava cheia de manchas de sangue?

Marianna a esta altura já se encontrava atrás das grades. Crime passional. O que a moça de programa era dela?  A cada minuto as cínicas perguntas amontoavam-se. E ela nada sabia explicar.

Foi neste momento que adentra, algemado já, na mesma delegacia o mendigo vestido com as ensanguentadas roupas de Rodolfo. Que explicou de onde as coletara. E mais contou. Até a placa do carro e o jeitão e o rosto do cara que jogou o sacolão na lixeira.

O médico legista levou as peças ao laboratório. O mesmo tipo de sangue encontrado nas roupas e nas mãos de Marianna.

Ela pedira aos detetives que verificassem as câmeras instaladas nos locais por onde passou desde sua chegada no aeroporto, bem como as do prédio. O sangue em suas roupas e em suas mãos eram a contundente prova contra ela. De nada mais precisavam.

Só após a prisão do mendigo a verdade apareceu.

E só depois, muito depois é que foram olhar as câmeras do aeroporto, do ponto onde ela embarcou no aplicativo e no seu desembarque na frente do prédio. E da garagem. Com Rodolfo portando um sacolão. As imagens da que fica a poucos metros da fatídica lixeira e do trajeto percorrido pelo assassino comprovaram a inocência de Marianna.

Não foi difícil seguir o rasto do assassino. No início da viagem pagava as despesas com o dinheiro que a vítima portava em sua bolsa. Na primeira tentativa de uso do cartão de crédito a luz vermelha acendeu na mesa do delegado responsável pela elucidação do feminicídio da madrugada.