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Artigo de Tokarski conta a história dos polacos na região do Contestado

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Disseminados pelo Contestado, os imigrantes polacos estão aculturados, miscigenados com outras culturas étnicas ou regionais

 

Por Fernando Tokarski*

 

A instalação polonesa na região do Contestado, no norte catarinense, é reflexo dos movimentos imigratórios ocorridos no sul do Paraná, nos derradeiros anos do século 19 e nos limiares do século 20. Da colonização paranaense em Itaiópolis, Rio Negro, Antônio Olinto, São Mateus do Sul, União da Vitória e Cruz Machado, os polacos enveredaram pelos caminhos das araucárias e dos ervais, transpondo os rios Iguaçu, Negro e Canoinhas, ingressando em território catarinense.

Sucessivas análises apontam que essa porção catarinense tem laços diretos com as correntes migratórias colonizadoras europeias intermediadas pelo Paraná. Nítida até hoje, essa influência se sobrepõe à catarinense, que apenas se fez notar por meio dos germânicos provenientes de São Bento do Sul e Joinville.

Este ligeiro estudo pretende mostrar que, tão logo os polacos foram assentados em Itaiópolis, então parte do Paraná, e mesmo em Rio Negro, eles avançaram aos sertões da região contestada, instalando-se principalmente nos grandes vazios rurais, onde até hoje estão fincados, sobrevivendo nos minifúndios do lavradio. Um desses exemplos foi o lavrador Valentim Sczimanski, que em 1918, aos 44 anos, vivia na localidade de Água Verde, no rocio de Canoinhas. Antes, ainda em 1899, morava em Rio Negro, onde obteve título eleitoral.

Em 1902, quando Canoinhas tornou-se distrito de Curitibanos, ainda era irrisória a presença de polacos em seu território, que então compreendia os atuais municípios de Papanduva, Monte Castelo, Major Vieira e Bela Vista do Toldo. Porém, já em 1905, há vários registros da presença de polacos.

É o caso de Francisco Piechontkowski, casado com Maria dos Reis, morador do “porto de Canoinhas”, onde em abril daquele ano, “atacada de febre”, morreu sua filha Ermelina, de cinco anos. Seu irmão, Valentim, era carpinteiro e casou com Sophia Suchara. O casal também construiu morada em Água Verde. O pai de Francisco e de Valentim, Gaspar Piechontkowski, morreu na localidade de Salseiro, em 11 de agosto de 1924, aos 80 anos. Sucessivos nomes aparecem então, incluindo Marcin Wozekoski, genro do lapeano Joaquim Vicente de Barros, que em 1906 vivia no lugar Paula Pereira, às margens do Iguaçu.

Na mesma época e no mesmo paradeiro, habitava o lavrador Miguel Tarcheski, nascido em 1861, precursor de numerosa descendência que ali se originou. Já em novembro de 1908, o polonês José Renczkoski, filho de Bognslau, casou na vila de Canoinhas com Anna, filha de Miguel e de Basília Szemczyczym. Todos eram moradores do atual município de Major Vieira.

Ao mesmo tempo, os colonos poloneses André Kaminkiewicz, sua mulher Agnieczka; Estanislau Malachowski e Marcin Bigas apareceram no mesmo lugar. Brás Scientowicz, casado com Maria Beble, e José Mayer, todos nascidos na Polônia, viviam na vila.  Mayer morreu vitimado pela picada de uma cobra, em 4 de maio de 1917, aos 45 anos. Há inúmeros outros exemplos, contemplando polônicos que traziam nos documentos procedências que os originavam da Áustria, da Galícia, da Rússia e da Alemanha.

Há o registro de Francisco Sochaczewaska, lavrador oriundo da Alemanha, que deve ter dado origem local à alteração Sokacheski, designação familiar bastante difundida em Canoinhas. Outro exemplo é Bernardo Jarosczewski, nascido Prússia em 1872, que estava em 1898 em Itaiópolis e por volta de 1910 já se encontrava em Rio Bonito, no território de Canoinhas. Jarosczewski morreu em 12 de junho de 1951, aos 79 anos, e está sepultado na localidade de Imbuia. José Weneroski, um viúvo de 36 anos, “natural da Polônia Austríaca”, vivia em Rio Bonito em janeiro de 1919. Outro conterrâneo era Gregório Galant, nascido em 1893, que solteiro residia no mesmo lugar. O carpinteiro Marcin Nowitzki, “nascido na Alemanha”, morreu em Canoinhas em 31 de outubro de 1916, aos 57 anos.

Antes, a primeira carta de aforamento urbano concedida em Canoinhas, foi dada ao polaco João Krozyzanoski, através de ato datado de 22 de fevereiro de 1912. O imóvel, na rua Coronel Albuquerque, localizava-se “de um monjollo para cima”.  Na mesma data, o polaco Julião Szraski recebeu a segunda carta acerca de um imóvel situado na mesma rua.

Um dos polacos de maior nomeada nos primeiros anos de Canoinhas foi o comerciante Francisco Rekssua. Era o único polaco que integrava a lista dos jurados da recém-criada comarca. Através de ato governamental, em 7 de outubro de 1913 foi nomeado suplente de delegado de polícia. Porém, morreu assassinado em 2 de junho de 1914, aos 30 anos, deixando a mulher Amália Bianeck, o filho Anselmo, de 13 meses, um nascituro e razoável patrimônio. Curioso é o seu atestado de óbito. Na causa da morte o documento diz que ela foi “natural, proveniente de projectil de arma de fogo”.

Ainda no início do século, o polaco-germânico Estanislau Schumann, fazendeiro, comerciante e farmacêutico nascido em 4 de julho de 1870, radicou-se no povoado de Bela Vista do Toldo, tornando-se, ao seu tempo, uma das mais importantes figuras políticas de Canoinhas. Em 1914, em plena Guerra do Contestado, o casal polaco Ignacio e Bronislava Bialeski eram lavradores na localidade de Pinheiros. Ignacio morreu em 3 de maio de 1960, aos 83 anos.

Porém, nada melhor do que a saga vivida por Luís Szczerbowski em Três Barras. Ali, bem jovem, foi comerciante, professor, fotógrafo e industrial. Retratou a Guerra do Contestado e instalou uma fábrica de cigarros de papel, importando  fumo da Turquia. Os primeiros implementos agrícolas da região trouxe da Eslováquia. Foi um autêntico empreendedor. Morreu em 27 de novembro de 1927, aos 44 anos, em consequência de hemorragias, depois de por conta própria arrancar um dente. Sua história merece um capítulo à parte.  

Por volta de 1911, com a implantação em Três Barras do complexo fabril da multinacional Southern Brazil Lumber & Colonozation Company, a maior serraria da América Latina, uma prodigiosa leva de polacos ocupou-se dos serviços técnicos oferecidos pela empresa. Das centenas de operários, várias dezenas eram de imigrantes poloneses, que a partir dali ampliaram a presença polônica na região. (…)

Em 1912, nos primeiros documentos do município de Canoinhas, são encontrados os nomes dos polacos Miguel Dzewieski, João e Onofre Berezowski, Ernesto Szwaroski e Francisco Felski. O mesmo Marcin Bigas, anteriormente referido, recebeu em 03 de setembro de 1913 um lote urbano na rua Francisco de Paula Pereira. Em 1915, era proprietário de terras na localidade de Ribeirão Raso, no atual município de Major Vieira. Também fez parte dos jurados da comarca, outra vez o único polaco entre os 28 nomes da lista. Contudo, em 10 de dezembro de 1917, através de ato do juiz Gil Costa, foi banido da relação, “por falta de idoneidade”. Bigas morreu em 16 de fevereiro de 1926, aos 64 anos.

Disseminados pelo Contestado, os imigrantes polacos estão aculturados, miscigenados com outras culturas étnicas ou regionais, sobretudo a cabocla e a gaúcha, predominantes na região. Pouco ou nada lembram, principalmente em relação à preservação cultural, os imigrantes polônicos do permeio do século 19 e do início do último século. A deturpação dos sobrenomes é corriqueira, fruto da ignorância cartorial e dos próprios descendentes, desinteressados na preservação da história familiar.

Os costumes e as tradições foram engolidos pela aculturação que se seguiu. A carroça, símbolo da presença eslava na região, é uma das últimas resistências culturais à modernização e à miscigenação dos costumes. As manifestações folclóricas praticamente desapareceram, assim como estão em vias de extinção as manifestações orais, incluindo as cantigas e a fala do idioma e das suas derivações dialetais. Quase sempre, os usos, costumes e tradições polacos, inclusive sua culinária, apenas são lembrados nas festas rememoradoras das formações étnicas regionais e nos desfiles públicos.

 

 

* Fernando Tokarski é professor e pesquisador de História do Contestado; membro da Academia de Letras Vale do Iguaçu e da Academia de Letras do Brasil/Canoinhas