Presidente eleito precisará fazer concessões e negociações, evitando incorrer ao máximo em acordos viciosos
Com 50,9% dos votos totais, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), elegeu-se presidente da República neste domingo, 30, pela terceira vez, derrotando o atual mandatário da nação, Jair Messias Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), que contabilizou 49,1% dos votos totais, naquela que foi a eleição mais acirrada desde a redemocratização do país. Num Brasil com fraturas expostas e profundamente dividido (o que se evidencia no resultado das próprias urnas), o contexto no qual Lula se elege é consideravelmente mais complexo do que aquele de seus dois mandatos anteriores, tendo a mão muitos desafios a serem enfrentados e resolvidos. Explorar quais são alguns desses desafios, é o que almejo no texto de hoje.
O primeiro desafio que se impõe e que talvez constitua um dos principais, é a tentativa de reconciliar o País, o qual, como citado anteriormente, encontra-se ainda muito dividido. Quando assumir a presidência em 1º de janeiro do próximo ano, Lula encontrará uma parcela significativa de entidades e classes da população que ou lhe rejeitam completamente ou lhe olham ainda com muita desconfiança, quer por efeito do bolsonarismo, que continua a ser uma presença ativa na sociedade, quer por efeito do antipetismo, que, de igual maneira, persiste de maneira muito forte (ou, como ocorre na maioria dos casos, da conjunção de ambas as forças). Incluem-se no rol dessas entidades e classes frações da classe média, do empresariado e do eleitorado evangélico por exemplo, com os quais o presidente eleito indiscutivelmente terá de dialogar e fazer acenos a fim de resgatar a confiança e abater parte do reacionarismo que se encontra entrelaçado em tais setores. Tudo isso, sem descuidar das bases de esquerda, sustentáculo de sua trajetória no campo político.
Tal desafio, no entanto, parece ter ficado claro para o petista desde o início do pleito, quando começou a formar uma frente ampla com nomes que fugiam do tradicional espectro esquerdista e se encaminhavam para o centro e centro-direita. A referência mais emblemática disso se deu com a escolha de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB). Antes adversários históricos, os dois resolveram se unir a fim de ampliar laços com os mais diferentes atores políticos e sociais. Em discurso para apoiadores e a imprensa logo após a divulgação da vitória nas urnas, o compromisso com a totalidade do povo brasileiro também foi mais uma vez reforçado. Nas palavras de Lula: “A partir de 1º de janeiro de 2023 vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”.
Outra tarefa de peso está concentrada no diálogo a ser construído com a nova composição do Congresso Nacional na Câmara dos Deputados e no Senado, ambos, consideravelmente mais conservadores do que aquele que foi eleito em 2018. Com efeito, a base de apoio eleita no primeiro turno da coalizão de partidos que Lula juntos têm em torno de 23%, 24% dos votos na Câmara. Para levar adiante seus projetos e propostas (alguns, deveras ambiciosos), ele terá de aumentar esse percentual, fazendo alianças com partidos como União Brasil, DEM, PSD, MDB, e, até mesmo, PSDB. Para tanto, precisará fazer concessões e negociações, evitando incorrer ao máximo em acordos viciosos. Como fazer isso numa situação em que o centrão vem adquirindo cada vez mais protagonismo e poder, é a pergunta que fica no ar. Ademais, Lula terá de lidar com uma minoria de deputados e senadores bolsonaristas “raízes” que, embora venham a sofrer uma desidratação por não contarem mais com sua grande referência (Bolsonaro) dentro do ordenamento político, seguirão fazendo uma oposição barulhenta ao novo governo, esperando a mínima oportunidade para colar novamente a pecha de “corrupção” no PT e/ou criando factoides e fake news com o objetivo de aumentar sua rejeição.
Um outro ponto que cumpre destacar, é a conjuntura econômica que o novo mandatário irá encontrar, bem distinta daquela de grande bonança e positividade de quando se elegeu presidente pela primeira vez em 2002. Diferentemente daquela época, o petista encontrará a economia mundial a beira de uma recessão econômica e um Brasil bastante endividado, com uma dívida pública próxima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma sequência de anos com as contas no vermelho, o que tem como consequência, mais aumento da dívida.
Com um cenário fiscal inseguro, fica mais difícil conseguir empréstimos e atrair investimentos, algo que, diga-se de passagem, é fundamental para um governo que tem nos programas sociais e assistencialistas um de seus grandes pilares. Todos esses elementos somam-se a um cenário na qual as diferentes classes sociais possuem grandes expectativas e almejam respostas rápidas no tocante a pauta econômica (uma das grandes responsáveis pela derrota de Jair Bolsonaro, vale dizer). Dessa forma, se faz necessário a escolha de uma equipe prudente nesta área, que não troque os pés pelas mãos no momento de dar cabo das propostas prioritárias, afinal de contas, o mínimo erro no tocante a estas pautas e propostas se convertem prontamente em frustração social e munição nas mãos da oposição. Tanto pior se o governo visa resgatar um passado econômico paradisíaco, como parece ser o caso do novo governo Lula.
Estes e outros desafios, por sua vez, deverão ser observados e tratados com máximo cuidado em função do desafio maior e razão pela qual a enorme maioria dos eleitores concedeu, ainda que de modo crítico, o voto em Lula: a reconstrução das bases democráticas do país e de suas instituições, que ao longo de quatro anos se deterioraram, perderam credibilidade e foram vilipendiadas pelo atual presidente e parte de seus apoiadores. Não será uma tarefa fácil. Reconstruir acaba sendo, em muitos casos, muito mais complicado que construir. Daí que eu tenha assinalado a questão do trato e cuidado que tal empreitada envolve. Nas circunstâncias conturbadas que o país vive, o menor dos equívocos pode abrir margem para o retorno do autoritarismo e obscurantismo que se visou combater.
