sexta-feira, 18

de

abril

de

2025

ACESSE NO 

O Passageiro da neblina

Imagem:Pixabay

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São múltiplas as ânforas lacradas e enterradas e, em cada uma, uma história

Resquícios que afloram e volteiam em torno das mais remotas e enevoadas imagens são como ânforas lacradas e há muito enterradas.

Lacradas e sedimentadas com lágrimas que se cristalizaram e mágoas que se solidificaram no tempo.

E então aquela música que o som da chuva batendo no telhado te faz lembrar e olhas para o cemitério das recordações onde ela, a ânfora, se encontra, cheia de pedaços lascados de teu coração…

…ou as melodias que ficaram no ar… as nuances do aroma de um perfume que a brisa faz passar diante de ti… o ruflar dos ramos nos palmeirais… o sussurro das ondas beijando a areia… o trinar dos pássaros em teu jardim ou no bosque por onde passas… o ronco de um mar enfurecido joga-se contra os rochedos…

…e tudo aflora à superfície, tudo o que no longínquo parecia um vulcão.

Mas são múltiplas as ânforas lacradas e enterradas e, em cada uma, uma história.

Entre elas, um desabafo a mais perdido no tempo…

Indefinido amanhecer de lembranças molhadas em neblina… indefinido amanhecer sem conhecimento e sem memória… indefinido amanhecer incolor que a tua presença, a tua surpresa, a nossa descoberta, o nosso encontrar, transformou em espaços azuis de horizontes sem fim.

Calma e tranquila presença naquela manhã cheia de um céu de chumbo, cheia de pingos de lama a contagiar o infinito de luzes, de sons, de calor. E de amor.

A angústia. A surpresa. A espera. O sorriso. E o carinho. O desvendar das emoções caladas. A lama da estrada, que ao se bater contra os pneus, cantavam canções de ninar. E a neblina envolvente a transformar aquele pedaço de terra em paisagens de céus.

No teu sonho alucinado, na vibração dos teus olhos, em teu sorriso aberto me encontraste a sorrir.

E sorrindo eu fui desenterrando um punhado de ilusões.

E construindo outro sonho.

Com as rosas que me enviavas.

Com teu sorriso de criança.

Com teu louco sonho de amor.

Louco sonho que depois fluiu pelos meus dedos e pelo vazio do infinito em minha frente esparramou-se.

Revejo agora nos espaços muito brancos do meu sonho, a silhueta contrastante de um amor embaçadamente envolto nas névoas da madrugada…

Um sorriso nervoso de quem há milênios aguardava um sorriso… Um olhar de brilho intenso, o teu olhar…

E uma esperança enconchada há tanto tempo. A tua esperança.

As horas todas de uma longa espera em um punhado de horas. As horas da tua espera.

Foi o chegar de um amor que tu mesmo inventaste. E veio até mim como em um turbilhão. Cresceu. Transbordou. E choraste na emoção incontida dos nossos sorrisos de amor. Sim, choraste na certeza vivida de um sonho julgado impossível. E os dias a passar trouxeram-te cada vez para mais perto de mim e levara-me inteirinha para junto de teus braços.

E da distância me enviavas flores… sonhos de amor … sorrisos de criança…

E, perdido dentro do frio da noite assististe à luta de uma pequena chama que tentava vencer o frio da noite. Que te livrasse do frio… do frio da tua noite interior.

E não querias ficar triste se o frio da noite vencesse, porque sentias dentro do teu eu misterioso a luta da pequena chama bruxuleante… e não choraste porque a noite estava linda e fria lá fora… muito fria, com um céu todo coberto de estrelas.

E sentiste então que o frio que quase te destruiu dentro de tua imensa noite foi findando com a chegada de uma trêmula e pequenina chama.

E eu me enternecia com as divagações que a tua alma imprimia naqueles líricos papéis que me enviavas.

Não pressenti o frio que sentias e jamais imaginara ser luz ou calor em tua vida.

E sonhamos ao crepúsculo de muitos sóis de primavera.

E sorrimos com as espumas se diluindo nas areias…

Em muitas madrugadas aguardamos a lua que, como côncava canoa, enterrava-se no horizonte.

E juntos nós voamos nas asas deste amor que inventaste.

Mas estas asas eram frágeis e eu não percebia.

Quando elas se romperam e se transformaram em pó entre meus dedos, quando elas se diluíram como fino papel em manhã de neblina eu resvalei pelos espaços e fiquei girando em espiral.

E sem conseguir mais colocar meus pés em terra firme, fiquei a vagar pelo infinito em busca de outras asas para dependurar o meu desmoronado eu.