Levantamento mostra que não houve prestação de contas; municípios discordam
Contrariando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), cinco municípios do Planalto Norte que receberam emendas via PIX durante o ano de 2024 não prestaram contas sobre a forma como utilizaram os valores recebidos, de acordo com levantamento do portal Transparência Brasil.
A orientação que consta no artigo 83 da Lei de Diretrizes Orçamentárias aponta que os beneficiários deveriam prestar contas pelo sistema Transferegov.br até o dia 31 de dezembro de 2024. O descumprimento desta orientação resultaria no impedimento de que novas emendas PIX fossem destinadas aos municípios que deixassem de cumpri-la.
Canoinhas, Três Barras, Monte Castelo, Itaiópolis e Irineópolis receberam emendas PIX em 2024, mas por não terem prestado contas, segundo o levantamento do portal Transparência Brasil, sobre a utilização do repasse, todos os municípios estão impedidos de receberem novas emendas nesta modalidade.
VALORES E CONTRAPONTOS
As assessorias de imprensa dos cinco municípios foram procuradas pela reportagem do JMais e perguntadas se, de fato, não houve prestação de contas dos valores recebidos via PIX.
As perguntas enviadas para todas as assessorias foram as mesmas. Seguem:
- O valor recebido veio em apenas uma emenda ou mais de uma?
- Qual é a origem deste ou destes valores?
- Onde foi ou foram aplicados os valores no município?
- Por que não houve prestação de contas quanto a essas emendas?
Canoinhas justificou, em nota, que o sistema Transferegov.br bloqueou a inserção de novas informações de todas as emendas, inclusive de 2021/2022 e não somente de 2024. Ainda em nota, o município especificou onde foram aplicados os valores recebidos via PIX.
Dos R$ 750 mil recebidos, R$ 150 mil vieram de emenda da senadora Ivete da Silveira, e o valor foi aplicado em compra de veículo automotor pick-up utilitário cabine dupla tipo S, para utilização da Secretaria Municipal de Obras e Desenvolvimento Urbano, além de pagamento parcial referente a aquisição de um caminhão comboio.
Outros R$ 500 mil vieram de emenda do deputado federal Jorge Goetten, e o valor foi utilizado para pagamento parcial referente à aquisição de um caminhão comboio, para a manutenção dos veículos e máquinas durante a execução dos serviços de recuperação de estradas, ruas de chão e outros serviços.
Os R$ 100 mil restantes vieram de emenda do deputado federal Valdir Cobalchini, mas o valor ainda não foi utilizado. De acordo com a nota encaminhada pela prefeitura de Canoinhas, “para ser usado depende da aprovação do plano de trabalho pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima”.
A prefeitura de Três Barras alegou em nota que “não há qualquer irregularidade na prestação de contas por parte do município” em relação às emendas recebidas via PIX.
Segundo a nota enviada por Três Barras, em relação a valores recebidos via PIX “inicialmente, não havia termo de cooperação ou convênio formal, e as exigências eram mínimas. Conforme as orientações do Governo do Estado, naquela fase, não era necessário enviar prestações de contas no formato tradicional, apenas a documentação comprobatória”.
A prefeitura de Três Barras recebeu cerca de R$ 885 mil em emendas via PIX, no entanto, a assessoria não respondeu à reportagem sobre quais foram as aplicações dos valores recebidos.
Os mesmos questionamentos foram enviados pela reportagem à assessoria de imprensa de Irineópolis, que primeiro respondeu que as perguntas eram “muito vagas” e, na sequência, alegou que “não há pendências registradas atualmente relacionadas a emendas via PIX”.
Quando perguntada qual foi a aplicação do valor recebido, a assessoria respondeu que os objetos estariam disponíveis no portal Transferegov.br. Em consulta ao sistema em questão, duas emendas no valor de R$ 100 mil são encontradas. Ambas destinadas à aquisição de caminhões para a Secretaria de Infraestrutura.
A assessoria da prefeitura de Itaiópolis informou que o município não possui quaisquer pendências relacionadas à prestação de contas, “tampouco impedimentos que inviabilizem o recebimento de recursos estaduais ou federais”.
Em relação às emendas PIX, a assessoria de Itaiópolis destacou que “o termo ’emenda via PIX’ não corresponde a uma classificação oficial e acaba sendo uma forma informal de se referir às Transferências Voluntárias”.
Mas não houve especificações sobre onde foram aplicados os recursos recebidos nesta modalidade.
Até o fechamento deste conteúdo, a assessoria da prefeitura de Monte Castelo, que recebeu R$ 150 mil em emendas PIX, não havia respondido aos questionamentos encaminhados pela reportagem.
POLÊMICA
As emendas PIX viraram uma grande polêmica. Essas emendas são propostas feitas por deputados federais e senadores ao Orçamento da União e, ao contrário de outras, têm a execução obrigatória pelo governo federal. Ou seja, elas devem ser realizadas independentemente de qualquer negociação ou barganha com o Poder Executivo. Na prática, elas são um repasse sem transparência, que dribla a fiscalização, facilitando uma série de irregularidades por parte de estados e municípios: gastos inadequados e ineficientes, impropriedade administrativa e corrupção. No ano passado foram distribuídos R$ 8 bilhões por este meio. Para onde vai todo este dinheiro já que não há necessidade de justificativas ao Tribunal de Contas da União? É um mistério porque a aplicação destes recursos deve ser explicada a organismos estaduais e municipais.
No caso de Canoinhas, única prefeitura que explicou porque não prestou contas das emendas, o próprio sistema do governo bloqueia a prestação.
Apesar dos Municípios da região citados na matéria estarem impedidos de receber emendas PIX, uma decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu ainda no ano passado a execução dessas emendas, alegando a necessidade de novos procedimentos que garantam a transparência na liberação dos recursos.
Estados e municípios deixaram de prestar contas sobre 86% das verbas recebidas por meio das chamadas emendas Pix no ano passado, segundo levantamento da organização Transparência Brasil.
Na decisão, Dino acolheu pedido da Procuradoria-Geral da República para que fossem criadas regras de rastreamento e controle sobre o uso do dinheiro. Em março de 2025, o Congresso aprovou uma nova regulamentação, mas com lacunas que ainda preocupam especialistas em transparência pública.