Nesta semana serão ouvidos os réus
A Vara Criminal da comarca de Canoinhas encerrou na sexta-feira, 9, a série de audiências que ouviu as testemunhas arroladas na fase da operação Et Pater Filium que investiga as relações ilícitas entre o então prefeito Beto Passos e seu vice, Renato Pike, com a empresa Transportes e Fretamentos Santa Cruz, acusada de fraudar e superfaturar licitações do transporte escolar. Mais de 50 pessoas foram arroladas, mas nem todas foram ouvidas porque houve algumas dispensas em comum acordo entre Ministério Público e os advogados de defesa.
Os primeiros a serem ouvidos foram os policiais que trabalharam na operação.
Entre as testemunhas vários proprietários de revendas de carros foram chamados. A ideia foi de se obter informações sobre como funciona o comércio de veículos na cidade, já que Renato Pike é acusado de lavar dinheiro de corrupção com sua revenda, a Brasil Veículos. Não há nenhum vínculo de Pike com outras revendas de veículos além da sua. A única exceção é a revenda que estava em nome de Sidnei Teles (falecido há duas semanas), mas que de fato seria tocada pelo sobrinho de Pike, também réu nesta fase da operação.
Também foram ouvidos vários motoristas que trabalharam para o Santa Cruz. As oitivas se justificam pela necessidade de se entender as condições dos veículos destinados ao transporte escolar, além da denúncia de superfaturamento com a alteração de quilometragem.
Durante depoimento na Et Pater Filium, uma funcionária da Transportes Santa Cruz questionou como pode haver superfaturamento no período em que a empresa trabalhou no governo Passos pagando a prefeitura o valor de R$ 6 por quilômetro rodado. Segundo ela, hoje, o mesmo KM custa R$ 18 ao Município de Canoinhas. “Por que antes tinha irregularidade e hoje em dia não tem?”, questionou. Disse também ter ouvido de um dos réus ligado a Santa Cruz que “Nós estamos pagando para trabalhar.”
Osmar Oleskovicz, que era secretário de Educação de Passos, disse que eram tantas situações que precisam ser corrigidas quando assumiu a Secretaria de Educação que ele não se envolvia com licitações de transporte escolar. Esta questão, diz o ex-secretário, era controlada por dois funcionários, um deles já fora da Secretaria.
Um desses profissionais prestou depoimento, dando a entender que nada sabia sobre o setor. A promotora questionou Osmar sobre ele deixar uma questão importante nas mãos de quem aparentemente não sabia o que estava fazendo. “Mas era o trabalho dele”, retrucou Osmar.
O ex-secretário disse, ainda, que quem decidia sobre manter contratos no transporte escolar era a Secretaria de Administração, sem nenhuma obstrução da pasta da Educação. “Eu não sou especialista em licitações, sou um professor que deixou a sala de aula pra ser secretário”, afirmou.
Osmar lembrou que desde os anos 1990 a Santa Cruz sempre ganhou as licitações. “Cabia a mim colocar o aluno dentro da sala. Durante o nosso mandato nunca faltou transporte escolar, ao contrário de hoje”. O juiz dr Eduardo Veiga Vidal, interviu: “Não precisa fazer política aqui. Nem se dê ao trabalho”.
Um dos fiscais de contrato da Secretaria de Educação, Luiz Fernando da Cruz Vieira Magalhães, depôs dizendo não lembrar de muita coisa e afirmando que das fiscalizações que fez não se recorda de nenhuma irregularidade em ônibus contratados para o transporte escolar.
Ele afirmou que percorreu quase todas as linhas e, “nas que me levaram estava correta (a quilometragem)”. Magalhães disse que os diretores de escolas o acompanharam nas fiscalizações.
Ao fim do depoimento, o juiz que conduz as audiências alertou a testemunha, lembrando que “sem adiantar juízo de valor, nós colhemos pelo menos 20 depoimentos e o depoimento que o senhor deu difere muito dos demais. O senhor prestou depoimento sob o compromisso de dizer a verdade e que, se for o caso de identificarmos divergência que possa caracterizar falso testemunho, na sentença o depoimento do senhor vai ser encaminhado para autoridade policial”. O juiz ainda deixou espaço para ele se retratar, o que não ocorreu ao menos naquele momento.
ALBERTI
O ex-prefeito de Bela Vista do Toldo, Adelmo Alberti, voltou a detalhar o esquema que ajudou a denunciar. Segundo ele tudo começou quando Ilson Ravanello, dono de uma empresa de transporte, a Bitur, se interessou por Canoinhas. Alberti diz que tentou ajudá-lo. Foi quando Ilson relatou a tentativa de tirá-lo do certame pelo transporte escolar.
Ravanello teria dito a ele que recebeu a proposta de uma caminhonete por meio da Transportes Santa Cruz. Ele teria, segundo Alberti, recebido o valor (cerca de R$ 200 mil) em dinheiro por parte da Santa Cruz para desistir de participar da licitação.
Alberti, inclusive, opinou sobre o desinteresse de empresas em trabalhar com o transporte escolar. “Fazer tudo certinho custa mais caro para o empresário. Com a fiscalização mais rigorosa, há esse desinteresse”, explicou afirmando que a média mensal de propina paga pela Santa Cruz era de R$ 40 mil. “Ah, isso é dinheiro para campanha, mas não é. A propina não tem nada a ver com campanha, ela era paga por mês. O Santa Cruz também ajudava na campanha”, afirmou, garantindo que tentar caracterizar caixa 2 de campanha é uma tentativa de desviar o foco. Essa é a tese defendida pela defesa de Pike.
Dos R$ 40 mil, R$ 20 mil seriam repassados a Beto Passos, afirmou Alberti conforme o que teria ouvido do próprio ex-prefeito. Disse ainda que Passos temia “ser deixado para trás”.
“Se o senhor era tão amigo do seu Ilson, por que não tinha nenhuma conversa entre vocês no seu celular?”, perguntou o advogado do empresário. “Porque nós apagamos tudo”, respondeu Alberti, revelando o modus operandi dos envolvidos no esquema para não deixar provas.
PRÓXIMA FASE
Nesta segunda-feira, 12, começaram as audiências que vão ouvir os réus. A expectativa é de que as audiências durem toda a semana. Serão ouvidos os empresários da Santa Cruz, Wilson Osmar Dams e Rodrigo Dams; o ex-vice-prefeito Renato Jardel Gurtinski; o ex-prefeito Beto Passos; o denunciante e empresário do setor, Miguelangelo Dias Hiera; o ex-secretário de Administração de Canoinhas, Diogo Carlos Seidel; os empresários do setor de transportes Ademar Roberto Soethe e Ilson Alberto Ravanello; além do sobrinho de Pike, Adoniran Jose Gurtinski Borba Fernandes.