Polarização política tornou o mundo um lugar ainda mais hostil
ESTRANHO MUNDO
COLUNA DE DOMINGO Concorrente ao Oscar 2023, está em cartaz no Disney+, o documentário Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft. Com imagens de arquivo, o filme mostra o fascínio do casal de vulcanólogos pelos mais impressionantes vulcões em erupção. Como caçadores de vulcões, ambos viajavam o mundo atrás dos gigantes. Quanto mais próximos, mais ficavam inebriados.
Essa estranha obsessão tem uma explicação dada por Maurice em uma entrevista: Nos decepcionamos com a mediocridade da humanidade e nos rendemos a grandiosidade dos vulcões.
Tal qual formigas diante de gigantes, o casal morreu tentando decifrá-los.
Seus estudos não foram em vão. Quando o vulcão Nevado del Ruiz em Tolima, Colômbia, entrou em erupção em 13 de novembro de 1985, as autoridades colombianas haviam sido alertadas pelo casal do perigo iminente. Ignoraram o alerta justificando o alto custo da evacuação. Morreram mais de 20 mil pessoas.
Os Krafft ficaram desolados diante de sua impotência e da força do capitalismo diante de vidas. Comprovaram tudo que sempre pensaram sobre política. Morreram sem ver que os japoneses, muito mais disciplinados, evitaram centenas de mortes ao evacuar cidades diante de uma tragédia vulcânica anunciada.
Ao ver o documentário sobre a vida do casal entende-se porque ele chegou ao Oscar, descolando-se de um círculo restrito de cientistas. Ele fala muito mais da alma humana do que de ciência. O que move alguém a ir atrás do perigo quando a maioria quer se afastar? O que fez este casal abdicar de uma vida confortável como professores para correr altos riscos às margens de larvas incandescentes? Maurice, aliás, sonhava em navegar sobre lavas. Os dois eram taxativos em dizer que ficavam tristes quando estavam em casa. Sentiam-se vivos quando estavam estudando os gigantes. Desenvolveram uma certa aversão a espécie humana e buscavam nos vulcões um sentido para a vida.
Difícil não ligar a história do casal morto em 1991 a esse mundo pós-pandêmico, onde se perdeu a vergonha de ser hostil a humanidade. Abertamente, as pessoas usam as redes sociais como trincheiras para expelir ódio e intolerância das mais abjetas. Apegam-se a ídolos políticos com a mesma tenacidade religiosa, um perigo que a história prova ser desastroso. Um mundo em retrocesso ainda maior do que aquele dos anos 1960 a 1990 no qual os Krafft viveram.