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De jogador de futebol a policial militar: a história de Antônio Rodrigues, o “Tatu”

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Cabo Antônio Rodrigues entrou para a corporação em 17 de agosto de 1962

Dando continuidade à série de entrevistas com veteranos do 3º Batalhão de Polícia Militar (3º BPM), o sétimo entrevistado é o cabo da reserva remunerada Antônio Rodrigues, mais conhecido entre colegas e amigos como “Tatu”. Antônio nasceu no dia 22 de fevereiro de 1942, em Três Barras (SC). Sua infância foi marcada por dificuldades. Perdeu o pai aos sete anos e, com a mãe, morou em outros lugares, a exemplo de Curitiba.

Quando tinha entre 9 e 10 anos, retornou à terra natal, onde começou a se destacar em algo que o acompanharia por muitos anos: o futebol. “Naquela época, a gente jogava bastante futebol. Foi nesse tempo que entrei para o aspirante do Três Barras Futebol Clube, com apenas 11 anos. Com 15, já estava no time titular.” O futebol era levado a sério, ainda que não houvesse pagamento aos atletas.

Casou-se com 18 anos, num tempo em que, segundo ele, “os costumes eram diferentes”. Aos 20 anos, o então presidente do Três Barras Futebol Clube, o tenente Evanir, do Campo de Instrução Marechal Hermes, estava prestes a ser transferido para Curitiba, e, conhecendo o talento de Antônio, tentou levá-lo junto. “Ele chegou a pedir para a minha mãe deixar eu ir jogar lá, mas ela não deixou. Aí o tenente falou que ia arrumar um serviço para mim na Polícia Militar.”

Na época, a PM não era bem vista. Por isso, não tinha interesse em ingressar na corporação. Mas o tenente insistiu. Levou-o ao 3º Batalhão de Polícia Militar (3º BPM) e conversou com os oficiais. “Nós fomos até Canoinhas no jipe do Exército. Eu fiquei esperando no jipe, enquanto ele se reunia com os oficiais. A reunião aconteceu no Cassino dos Oficiais, onde hoje fica o Memorial do 3º BPM.” Após a reunião, o tenente o instruiu acerca de como proceder para ingressar na Corporação.

Para ingressar, precisou apresentar o atestado de boa conduta. “Na delegacia de Três Barras, o sargento que era o delegado não quis me dar o atestado, porque eu tinha uma dívida de dois cruzeiros. Disse a ele que não paguei, porque ainda não tinha recebido meu salário. O próprio tenente foi lá comigo e conseguiu o atestado.”

Passou também por exames médicos e testes físicos. “Naquela época, a altura mínima era 1,60m, como eu tenho 1,61m, minha altura foi suficiente. O médico que fazia os exames era o dr. Osvaldo Segundo de Oliveira.” Depois, realizou prova escrita com questões de matemática, história, português, geografia e conhecimentos gerais, obtendo êxito.

Em 17 de agosto de 1962, ingressou na PMSC. A escola, no entanto, só teve início no começo de 1963. Desse modo, até o início do curso, os recém-ingressados permaneciam na condição de recrutas. Já no curso, “Minha turma tinha 63 homens. Formamos 54. O resto rodou.” Entre os colegas estavam Júlio Gritz, Leandro Gonçalves, Zé Baiano, Floresnau e o Totó, dentre outros, cujos nomes não se recorda. O curso durou nove meses, sendo concluído no fim de 1963.

Formatura no 3ºBPM. Antonio Rodrigues (um dos membros da banda). Comandante da tropa Tenente Sestilio ângelo Franzosi. Década de 1960

Logo após se formar, foi designado como guarda do quartel, função que exerceu por aproximadamente cinco anos. “A gente ficava bem em frente à entrada principal do 3ºBPM.” O comandante era o tenente-coronel Wallace Capela, tendo como subcomandante o major Décio José do Lago, que também viria a ser comandante do batalhão. Dentre os oficiais, Antônio recorda os tenentes Dinoh Antônio Corte, Sestílio Françozi, José Manoel Nolasco e o tenente Bento.

Entre os colegas de farda, muitos nomes ficaram marcados na memória de Antônio. Havia figuras conhecidas como o subtenente Dulcídio, os sargentos Ferreira, Peres e Joriel Manoel Alves — este último serviu também em Três Barras, antes de vir a Canoinhas. Foi ele quem ajudou Antônio, durante as etapas do concurso. “Ele me trazia de Três Barras com uma motinha da polícia”. Também atuavam no batalhão os cabos Prazeres, Nelson, Léria e Anselmo, além dos soldados Antônio Ferreira de Souza, Aristóteles Rosa dos Santos, Valdemar Ada, Barrabacha e Antônio Viliczinski, dentre tantos outros, cujos nomes lhe escapam.

Da E para a D. Em pé: corneteiro Dula 1º, Cb Becker 2º, Maj Roque 4º, Sd Antônio Rodrigues, Sd Reinaldo Vieira de Lima, 7º. Agachados: Sd Natalio Fernandes 1º, ST Chico, 2º, Cb Léria, 3º

Era bastante comum, naquela época, os militares serem conhecidos por apelidos, a exemplo do próprio Antônio, cujo epíteto, “Tatu”, é corriqueiramente mencionado entre seus amigos. “Os apelidos pegavam tanto que o nome verdadeiro dos colegas a gente acabava esquecendo”. Dentre os apelidos que se recorda estão: Chumbinho, Curto e Grosso, Sabiá e Parafuso.

Fez parte, por muitos anos, do time de futebol do 3ºBPM. Possui fotos dessa época. Havia jogos até mesmo no interior. Lembra-se que, para os deslocamentos, o time viajava com o caminhão do quartel, “o Jaburu”. “Um dos oficiais que gostava muito de futebol era o major Roque, que foi comandante do batalhão por muitos anos”.

Time de futebol 3ºBPM. Da esquerda para a direita, em pé, Sargento Ademar de Lima (1º), Sd Rui (3º). Agachados, Antônio Rodrigues é o 5º. Canoinhas, ano de 1962

Recorda-se de vários colegas que faziam parte do time: o major Roque, o subtenente Chico, o corneteiro Dula, os cabos Léria e Becker, o Bequinha, os soldados Reinando Vieira de Lima, o Reis, e o Natalio Fernandes são alguns deles. Natálio Fernandes fez curso de sargento em 1969 e posteriormente de oficial. Atualmente, é major da reserva.

Time do 3ºBPM. Canoinhas, Rio da Areia do Meio, 3 de julho de 1969

Jogo de futebol em Mafra. 5 de junho de 1971. Da esq. para a dir., Antônio é o último agachado

Além do futebol, uma curiosidade da época era a questão dos presos. Antes mesmo de ser policial militar, Antônio se recorda que no quartel ficavam os presos já condenados. Para os presos de 24 ou 48 horas, que eram as prisões para averiguação, a cadeia pública de Canoinhas ficava na rua Vidal Ramos, ao lado do antigo fórum, “onde hoje existe uma lojinha”.

Quando ingressou na PM, o quartel funcionava como cadeia pública, tanto para presos condenados quanto para os provisórios. “Os presos ficavam no subsolo do batalhão. Tinha cubículos separados para os condenados e para os de 24 horas.” Por volta dos anos de 1967 a 1968, foi construída a delegacia de polícia, onde atualmente funciona o Instituto Geral de Perícias (IGP).

A delegacia passou a ser a cadeia pública. “Lembro que quando os presos foram transferidos do quartel para a delegacia, eles foram colocados em forma, coluna por dois, e havia 6 soldados os escoltando de fuzil, uma dupla na frente, uma no meio e outra atrás. Eram mais ou menos 26 presos.”

Após a inauguração da delegacia, trabalhou dois anos lá. Havia uma equipe de policiais militares que prestavam serviço na delegacia, onde faziam, dentre outras atividades, a guarda de presos. Em seguida, por volta de 1970, foi destacado para Guaramirim. “Guaramirim era um destacamento subordinado à companhia da sede do 3ºBPM. Para ir até lá, eu viajei de trem, armado com fuzil e baioneta calada.”

Jogo de futebol em Joinville, 8-5-1969. Tempo em que serviu em Guaramirim. Antônio é o que aparece agachado, no meio de outros dois

Pouco antes de sua transferência, fez parte de um grupo musical, o Trio Cachoeira, formado por três policiais militares — ele, Victtor Ferreira Tidre e Lourenço Leão. O grupo atuava com autorização do tenente-coronel Capela. Um dos locais onde se apresentava era na Rádio Canoinhas. “Era uma forma de desfazer a imagem ruim que a população tinha da polícia naquela época”.

Trio Cachoeira. Da esq. para a dir., Lourenço Leão (violão), Sd Victtor Ferreira Tidre (gaita) e Cb Antonio Rodrigues (viola). Por volta de 1965

Trio Cachoeira. Festival Rádio Canoinhas, 9 de novembro 1966. Antônio Rodrigues é o 2º da esquerda para a direita, segurando a viola

Com o fim do trio, os colegas seguiram caminhos distintos: Victtor foi para Pirabeiraba, Lourenço para Curitibanos, e Antônio, para Guaramirim, onde permaneceu por cerca de dois anos. Quando soube que o batalhão de Joinville seria criado e que Guaramirim passaria a integrá-lo, solicitou retorno ao 3º BPM. O pedido foi feito por rádio-telégrafo, o meio de comunicação que se tinha à época, e deferido.

De volta a Canoinhas, exerceu diversas funções: estafeta, rancho e lavanderia do batalhão, para citar algumas. “Naquele tempo, o quartel era autossuficiente. Tinha rancho, enfermaria, açougue, armazém, barbearia, marcenaria, sapataria e alfaiataria.” A rotina do batalhão era bastante distinta da que existe atualmente. A área abrangida também era maior. “Lembro que um colega, José Maria Dias dos Santos, incluiu em Canoinhas e foi para Barra Velha, que pertencia ao batalhão, onde criou todos os filhos, depois retornou ao 3ºBPM”.

Futebol no 3º BPM. Final da década de 1980. Antônio Rodrigues é o segundo agachado da esquerda para a direita

O efetivo também era robusto: 22 oficiais e quase 200 soldados. Após quase três décadas de serviço, foi para a reserva remunerada em fevereiro de 1990, encerrando uma trajetória marcada pela dedicação, disciplina e pela transformação de um jovem jogador de futebol em um dos nomes da história da Polícia Militar em Canoinhas. No batalhão, é carinhosamente recebido pelos colegas como o “Tatu”, nosso veterano.

*Por capitão Diego Gudas