sábado, 19

de

abril

de

2025

ACESSE NO 

As lições que as eleições deste ano dão para a esquerda

Últimas Notícias

- Ads -

Quais fatores ou motivos explicam a fraqueza generalizada da esquerda nas eleições deste ano?

As eleições municipais de 2024 chegaram ao seu ponto final no domingo passado. Este ponto final, por seu turno, nos coloca diante de alguns fatos interessantes que já nos dão algum vislumbre de como pode vir a ser o cenário eleitoral de 2026. Dentre estes, o mais expressivo é, possivelmente, a vitória triunfal dos partidos de centro e direita pelas cidades do país. Para que se tenha uma ideia desta vitória, basta que olhemos para os números dos grandes vencedores, onde temos os tradicionais partidos de centro, PSD e MDB, conquistando 887 e 856 prefeituras, respectivamente. Na sequência vem o PP, com 747 prefeituras, União Brasil, com 585, PL, com 516 e Republicanos, com 433. Tais números, por outro lado, nos colocam em face de um outro fato digno de nota: a derrota fragorosa da esquerda nas eleições municipais. Um vislumbre de tal derrota pode ser conferido a partir dos números da legenda de esquerda mais exitosa, o PSB, que conseguiu apenas 309 prefeituras. Já o PT, que um dia já foi um dos partidos mais representativos do Brasil, angariou apenas 252 cadeiras nos executivos municipais. Um número bastante preocupante para um partido que tem hoje, como liderança maior, nada mais nada menos do que o atual presidente da República. Estas constatações, trazem à baila uma questão que merece ser analisada, a saber: quais fatores ou motivos explicam a fraqueza generalizada da esquerda nas eleições deste ano?

Alguém poderia argumentar, com alguma razão, que as eleições municipais são diferentes das eleições estaduais e federais, onde, ao contrário destas duas últimas, o que costuma imperar são as questões locais ao invés da ideologia. Em outro esteio, poderia se citar ainda o efeito do antipetismo decorrentes da Operação Lava Jato em anos recentes, que se estendeu aos partidos de esquerda de um modo geral, ou ainda, a enxurrada de fake news de que são vítimas principalmente os partidos e políticos do espectro de esquerda e as medidas ainda pouco efetivas da justiça eleitoral para lidar com estes casos. Há em todos estes argumentos de fato, uma ponta de verdade. No entanto, não podemos desconsiderar nessa análise, alguns problemas inerentes a própria esquerda, que, muitas vezes, cava orgulhosamente a sua sepultura. É precisamente neste último ponto que pretendo me deter.

Um dos primeiros problemas que identifico nessa linha é o apelo equivocado da esquerda a pautas identitárias. Não me entendam mal. Não é que eu ache que temas relativos à costumes, gênero, raça e sexualidade não devam ser abordados ou discutidos. Pelo contrário: como uma pessoa formada em Filosofia, creio que todas as pautas possuem vez e lugar no debate público. Acho inclusive, que é coerente pela parte da esquerda assumir estas pautas, haja visto que, historicamente, ela sempre assumiu, nem que fosse no plano discursivo, a defesa das minorias e classes mais oprimidas. No entanto, a maneira através da qual isso vem sendo feito por alguns segmentos da esquerda me parece altamente destituída de bom senso, afastando a maior parte da população de suas bandeiras e lutas. Como exemplo disso, trago dois incidentes recentes que são ilustrativos, ambos relativos à sexualidade e questões de gênero. O primeiro caso diz respeito a um ato de campanha do então candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, em que estava presente também o presidente Lula. Neste ato, foi cantado o Hino Nacional. Até aí tudo bem, não fosse um singelo detalhe: a modificação de partes da letra do hino para a chamada linguagem do gênero neutro. Não preciso nem dizer o estardalhaço que isso gerou nas redes sociais horas depois e o uso dissimulado do fato por políticos da direita para “assustar” o eleitorado, que, goste-se ou não (e a esquerda precisa aprender a lidar com isso) é majoritariamente religioso e conservador em se tratando do campo dos costumes. Longe de educar a população sobre um tema tão sensível, tal alteração no hino pátrio só serviu para alimentar estereótipos e pânico moral. O mesmo pode ser dito de uma performance erótica de extremo mal gosto, (cujo conteúdo não vale a pena sequer comentar), realizada por uma historiadora nas dependências da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), feita dentro de um debate legítimo sobre gênero e sexualidade. Novamente, as imagens de tal performance não demoraram a repercutir no espaço da internet, convertendo-se em farta munição para políticos da extrema direita atacarem um dos espaços mais importantes desse país, qual seja, o das Universidades Públicas. Não bastasse os erros visíveis envoltos em tais casos, parte de sua militância, revestida de profunda soberba, tendencia a classificar todos aqueles que não entendem ou concordam com tais propostas como ignorantes, pobres de direita e reacionários. Em resumo, as pautas identitárias, ao modo como vem sendo trabalhadas pelas mãos de parte da esquerda, não só fragmenta a própria esquerda, como também repele a maior parte do povo de seu entorno.

O segundo problema que trago à cena, tão complicado quanto o primeiro, é a distância de uma boa parcela da esquerda entre aquilo que prega e aquilo que realmente faz, o que aos olhos do eleitorado gera desconfiança, quando não o ar de discurso mentiroso mesmo. O governo Lula 3 tem sido campeão em derrapar neste quesito. No discurso de campanha, por exemplo, prometia uma taxação maior dos mais ricos, que, proporcionalmente, pagam menos impostos que os mais pobres. Na prática, contudo, o que se viu, foram medidas de taxação e impostos que atingiram prioritariamente as camadas mais populares. Seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, inclusive, chegou a virar meme por conta da taxação de diversos produtos propostos na reforma tributária, recebendo apelidos como “Taxad”e “Zé do Taxão”. Em outra frente, no campo educacional, havia uma grande expectativa, sobremaneira de professores, pela revogação do chamado “novo ensino médio”. No plano da realidade, porém, o que se viu foi uma revisão que, embora tenha melhorado parte do desastre educacional sancionado no governo do ex-presidente Michel Temer, passou longe de ser o ideal que os profissionais da educação desejavam. Com relação a igualmente polêmica reforma trabalhista, nesta não houve sequer o mover de uma palha para revogá-la.

É bem verdade que estas coisas dependem de negociações com o Congresso Nacional, que, por sua vez, é amplamente conservador, colocando freios, quando não, impedindo completamente a edificação de promessas de campanha. Estes bastidores, no entanto, não são devidamente compreendidos e/ou sequer chegam ao conhecimento da população, que quer e deseja apenas ver promessas de campanha sendo cumpridas. Dado que não as vê do modo que idealizou, o eleitor cai na seara da desilusão, chamariz para os políticos de direita/extrema-direita. Como bem pontuou o filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Vladimir Safatle, em entrevista recente ao portal UOL “A sociedade vê ativamente que a gente (a esquerda) não tem uma alternativa, no sentido forte do termo. Ela acha que no final das contas, a extrema-direita é muito mais realista, porque ela diz “olha, a situação é essa, o sistema é esse, agora é cada um por si, quem sobreviver vai sobreviver. O discurso pode ter milhões de furos, mas ele é coerente. O nosso não é. Esse é o problema, ao meu ver”. Sintoma claro desse problema/desilusão mencionados pelo filósofo, pode ser constatado na candidatura do já citado Guilherme Boulos, em São Paulo, que perdeu nas periferias (incluindo seu próprio bairro) – áreas que antes lhe eram favoráveis e que nestas eleições cederam boa parte de seus votos a Ricardo Nunes e Pablo Marçal. Seria São Paulo um retrato do país? Neste caso, penso que sim.

Assomados, estes dois fatores anteriormente levantados (identitarismo barato e incoerências entre discurso e prática), aos quais poderiam ser acrescentados muitas outras problemáticas, tornam-se um terreno fértil para o crescimento de oportunistas de toda ordem e políticos das mais diversas tonalidades de direita, que nem precisam se dar ao trabalho de uma campanha extenuante contra o lado que lhe faz oposição, haja visto que este mesmo lado, ainda que sem o saber, já faz o trabalho por eles. Em suma, se continuar nesta toada e destituída de autocrítica, a esquerda, que ao longo da História sempre quis se propor como alternativa ao sistema político tradicional que está posto, corre o risco de nas próximas eleições, assistir impotente a ascensão de todos os componentes que integram este sistema, indo desde o político tradicional carismático que faz a limpa nos cofres públicos longe dos holofotes até aqueles que jogam livros no lixo sem qualquer pudor. Terá a esquerda a capacidade de mudar? A ver as cenas dos próximos capítulos…