Não tem como não entender a revolta de quem perde um ente querido logo depois de passar pela Unidade
UPA
COLUNA DE DOMINGO Quem assistiu às 2h30min da sessão da Câmara de Vereadores de Canoinhas na segunda-feira, 24, pontuada pelas participações da diretora administrativa e do médico responsável pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Canoinhas saiu sem entender quem tem razão com relação às divergências apontadas.
De um lado, a defesa dos serviços prestados, com dados substanciais que mostram o nascimento de uma outra UPA depois que a instituição foi terceirizada para o Ideas (o Município não gosta do termo e diz que é diferente porque o Ideas não é uma empresa e não visa o lucro).
Do outro, vereadores da oposição municiados de informações graves, que apontam descaso com pacientes apontados como acometidos por uma simples dor de cabeça, mas que morreram pouco depois de deixar a Unidade.
Quem tem razão? Impossível saber com as informações rasas distribuídas a esmo, sem nenhum embasamento técnico.
Em outubro de 2023, pouco antes de o Ideas assumir a UPA, Douglas José Gonçalves do Rosário morreu aos 28 anos vítima de hantavirose, adquirida quando trabalhava nas enchentes. Ele foi mandado de volta para casa pelo menos por três vezes ao tentar atendimento na UPA. O caso gerou um processo que ainda está em discussão, mas o Município sabe que mais hora menos hora terá de indenizar a família.
Antes disso, um paciente com infecção urinária quase morreu ao ser enviado por duas vezes para casa com a uretra entupida por uma pedra. Só sobreviveu porque pagou atendimento particular. Mesmo tendo sobreaviso em urologia, em nenhum momento o médico de plantão acionou o especialista. Estes dois casos foram revelados e documentados com entrevistas, notas, receitas e guias médicas pelo JMais. Somados a esses dois casos há muitos outros noticiados (e não noticiados) nas últimas décadas, com a UPA sob administração do Município.
Agora, os vereadores falam em pessoas morrendo por diagnóstico de dor de cabeça. Quem são? Onde vivem? Como se deu o atendimento? Mistério. Parece que o que mais interessa é a oposição do que a comprovação.
O médico responsável pela UPA foi surpreendentemente sincero ao responder que a saída para resolver a questão é a Justiça. A UPA não vê falhas, o parente do paciente falecido garante que há e somente um juiz, devidamente embasado em um parecer médico independente, poderá dizer quem tem razão. Para isso existe o prontuário médico, um dossiê sobre o atendimento. Esse prontuário tem de ser comparado ao laudo de quem atestou o óbito para verificar se houve ou não negligência. Agora, jogar pra torcida, com informações rasas (me parece que, … diz que…, o médico disse isso ou aquilo sem nem saber o nome do profissional) em nada contribui para um debate honesto e realmente comprometido com a saúde da população. Ao contrário, soa populismo politiqueiro. Joga pra torcida e vê no que dá.
A oposição faz um trabalho necessário ao apontar as falhas e cobrar soluções para os problemas da saúde. Erros médicos infelizmente sempre existirão e jamais poderão ser tolerados, especialmente quando custam a vida de alguém. Mas associar essas falhas a contratação do Ideas é falso. O instituto melhorou a estética da UPA, disponibilizou pediatra 12 horas por dia (o que nunca antes teve na UPA) e facilitou o processo de demissão, o que em relação a servidores públicos concursados é quase impossível. A reforma trabalhista de 2019 trouxe muitos benefícios aos patrões ao flexibilizar uma série de contratações. O Ideas se vale disso, seja justo ou não.
Uma boa sugestão aos vereadores opositores seria se debruçar com lupa sobre os gastos da UPA. Esses dados, por sinal, não estão disponíveis no site do Ideas, o que é grave porque o contrato exige tal divulgação. De qualquer forma, o Município pode fornecer, via requerimento, todas as contas do mês. Soma-se as despesas e compara-se aos R$ 720 mil que o Ideas recebe todos os meses para administrar a Unidade. Há muita desproporcionalidade? Se sim, temos um bom debate pra travar entre Município e Câmara.
Com relação a mortes suspeitas e sequelas como a do menino que tinha uma infecção dentária, mas teria sido tratado como uma gripe, que os responsáveis peçam o prontuário, juntem documentos de outros médicos e processem. Se o Ideas errou, nada mais justo que pague. Há de se certificar de que o Município não seja solidário e, se for, que se retire essa cláusula do contrato o mais rápido possível.
Agora, ficar usando disso pra alimentar rivalidade política é o modo menos útil do ponto de vista do cidadão, pra lidar com a questão.