Historiador relembra o primeiro código de trânsito de Canoinhas
Fernando Tokarski*
“Não é permittido aos vehiculos de tracção animal, nas ruas e praças, caminharem com velocidade que exceda a de um cavallo de trote largo, devendo o vehiculo, qualquer que elle seja, diminuir a velocidade a de um homem a passo, nos crusamentos das ruas e fazer soar a busina, quando automoveis, antes das curvas.” Este é o décimo primeiro parágrafo da resolução 87, assinada pelo prefeito Ivo d’Aquino da Fonseca em 16 de abril de 1926, instituindo a primeira regulamentação destinada aos veículos em Canoinhas. O município vivia o seu apogeu econômico da erva-mate combinado com o da madeira. Canoinhas possuía a quarta maior frota de veículos de Santa Catarina e se fazia necessário disciplinar o uso das máquinas de transporte.
Para os dias modernos a regulamentação daqueles tempos parece ridícula e pueril. Mas em pouco mais de 19 folhas foi ela que deu ensejo às leis contemporâneas, agora fundadas na legislação federal acerca dos procedimentos de quem anda ao volante ou possui um veículo de transporte. Naquele tempo, carroças, charretes e bicicletas também faziam parte do universo dos veículos regulamentados além dos automóveis, assim indistintamente tratados, quer fossem veículos de passeio, quer fossem caminhões.
Deva-se o necessário esclarecimento: aos de transporte de carga dizia-se automóvel tipo caminhão. Nada mais justo, pois no sentido etimológico caminhão também é um automóvel, isto é, um veículo que se locomove com seus próprios meios. Motocicletas, auto-ônibus e automóveis de três rodas igualmente estavam inseridos nas disciplinas do código.
VELOCIDADE MÁXIMA

Outras determinações previstas pelo mesmo documento são interessantes. Nas ruas da cidade, a velocidade máxima permitida para veículos automotores leves era de 15 km por hora e dez km por hora para os de transporte de cargas. À noite, no encontro de dois veículos, ambos os condutores deveriam apagar as luzes só permitidas em ruas de iluminação escassa. Naqueles confins dos tempos, escassa era a iluminação em todas as ruas poeirentas ou enlameadas da cidade então denominada Ouro Verde. As oficinas mecânicas e os estabelecimentos de vendas ou fabricação de veículos deveriam ter placas devidamente licenciadas contendo a expressão “experiência” para os veículos em reparos ou àqueles destinados aos testes de volante dos seus clientes.
O sétimo parágrafo especifica que nenhum veículo tinha o direito de interromper um préstito ou força armada. Nos dias modernos e apressados esta regra não recebe qualquer consideração. Pelo contrário, chega a ser motivo de xingamentos e impropérios.
Por sua vez, para as carroças e similares o décimo parágrafo estipulava que “Os conductores de vehiculos, ao começarem a caminhar, e ao fazerem uma volta, devem indicar com a mão, ou com o chicote, a direção que pretendem tomar.” O código estabelecia idade mínima de 16 anos para a condução de carroças e outros veículos de tração animal e os tradicionais 18 para habilitar à direção de carros motorizados.
CUIDADOS COM O CHICOTE

Proibia-se o abandono de veículos de tração animal nas ruas e praças, ainda mesmo que os animais tenham sido desatrelados, ou ainda trabalhar com animais feridos, doentes ou excessivamente magros. Também era vedada a utilização de animais em número além ao do registro do veículo e conduzi-lo fora do passo estabelecido. Coibia-se ainda o uso do chicote com risco de atingir transeuntes ou estalando-o sem moderação e sem necessidade justificável.
Naqueles tempos já havia a preocupação com os motoristas baderneiros, posto que o código dizia ser ilegal formar grupos, fazer algazarra, produzir descarga de motor e dormir no interior dos veículos. Entre outras exigências, a resolução deixava claro que era obrigação do condutor de veículos recolher, quando possível, toda e qualquer pessoa que se encontrasse caída ou em abandono pelas ruas e em outros logradouros públicos em razão de enfermidade repentina, acidente ou causa externa. A pessoa recolhida deveria ser conduzida a um lugar onde pudesse ser socorrida ou à sua residência, quando conhecida.
Curiosamente esse aparato legal de 1926 já previa o uso de taxímetros nos automóveis de aluguel, naqueles tempos também chamados de carros de praça. Todavia, recordamos que os taxímetros só foram adotados em Canoinhas ao final dos anos 1990 e, mesmo assim, vez ou outra, ainda são motivos de conflitos entre taxistas e usuários dos automóveis de aluguel.
BUZINAS E TROMPAS

Aos automóveis-caminhões era permitido o uso de rodas revestidas com pneus maciços. Peculiar é o parágrafo 24 que se refere aos sinais sonoros dos bólidos motorizados: “Todo o automovel deverá estar munido de buzina ou trompa automatica de aviso. Essas buzinas ou trompas transmittirão sons graves e uniformes, sendo prohibidas as que tiverem sons especiaes agudos ou combinados ou que por qualquer modo firam ao ouvido e perturbem o socego publico [sic].”
O parágrafo seguinte deixava claro que todo o automóvel de aluguel só poderia estar em ação desde que provido de um aro stepney ou de um pneumático sobressalente. Previa-se a cassação da carteira de habilitação a quem usasse ou cedesse o seu veículo para a prática de atos criminosos.
EXAMINADORES DE CHAUFFEUR

Pessoas especialmente designadas pela prefeitura eram encarregados dos exames aos candidatos a chauffeur, designação que naqueles tempos se dava ao que chamamos de motorista. Em 31 de julho de 1926 o primeiro substituto de prefeito em exercício, Manoel Machado Nunes, nomeou Carlos Würzer, o primeiro motorista da prefeitura de Canoinhas, e Ernesto Greipel, para atuarem como examinadores dos que no município se candidatavam a chauffeur. Depois, em 22 de setembro, Nunes designou Ricardo Müller para o cargo de examinador de carros e carroças do município. Entenda-se que na nomenclatura daqueles tempos carros eram todos os veículos tracionados por animais, diferentes de carroças, incluindo troles e charretes. Já em 16 de fevereiro de 1927, nos primeiros dias do governo de Oswaldo de Oliveira, Vigand Wittig assumiu a função de examinador. Mais tarde, em 15 de setembro de 1930, Ernesto Greipel voltou ao cargo, nomeado pelo mesmo Oliveira em seu penúltimo ato legal como prefeito de Canoinhas. Dias depois, em 6 de outubro, Oliveira foi deposto pela Revolução Getulista.
* Fernando Tokarski é pesquisador e professor de História Regional