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Especial: A história da colonização polonesa em Canoinhas

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Fome e privações na Europa trouxeram vários poloneses ao Brasil

Um sábio pensador já disse que é preciso entender o passado para compreender o presente. Com essa provocação em mente, o JMais recupera hoje texto publicado em 2007 originalmente no jornal Correio do Norte, sobre a imigração polonesa a Canoinhas.

Não existem dados estatísticos que definam as etnias predominantes na região. Empiricamente se deduz que a maioria dos descendentes canoinhenses pertença a etnia polonesa, ou polaca, como prefere chamar o historiador Fernando Tokarski, que além de ter o sangue polaco correndo nas veias, é obcecado por entender os primórdios da história regional. Entre os muitos estudos desenvolvidos por Tokarski está um relato bem detalhado, baseado numa intensa investigação sobre a origem polonesa na região de Canoinhas. É bom explicar que quando se fala em ‘região de Canoinhas’, compreende-se municípios como Major Vieira, Bela Vista do Toldo e Três Barras, que até metade do século 20 eram distritos de Canoinhas. É inevitável também não relacionar a história da colonização canoinhense à de municípios periféricos como Irineópolis, Porto União, Mafra, Papanduva e Monte Castelo.



OS POLACOS

 As etnias eslavas têm predominância no Planalto Norte de Santa Catarina, sobretudo nos municípios de Canoinhas, Bela Vista do Toldo, Irineópolis, Itaiópolis, Major Vieira, Monte Castelo, Papanduva, Porto União e Três Barras. Em Campo Alegre e São Bento do Sul também é marcante a presença dos eslavos, notadamente dos polacos.

Família Urbanek, imigrados para a região no início do século 20/Acervo de Fernando Tokarski

Em Canoinhas os polacos se estabeleceram a partir de 1890, vindos do Paraná, primeiro porto de desembarque, a partir dos municípios de Itaiópolis – então no território do Paraná -, São Mateus do Sul, Antônio Olinto e União da Vitória. “Principalmente disseminados nas áreas rurais, os polacos deixaram nítidas marcas na cultura de Canoinhas e da região, difundidas no forte dogmatismo religioso, na arquitetura, no transporte, na culinária e nos costumes”, diz Tokarski no livro Colonização Poloca no Contestado.

Entre as mais marcantes heranças que os poloneses deixaram existem pratos típicos, artesanato e até escolas rurais, onde se ensinava o polonês. Isso até a Segunda Guerra Mundial quando o então presidente Getúlio Vargas proibiu o uso de línguas estrangeiras no Brasil. Isso depois dele mesmo ter contribuído com o nazismo. Essa medida acabou com a Escola Polonesa, que existia em Canoinhas na rua 12 de setembro. O prédio, em seguida, deu lugar a Delegacia de Polícia e acabou sendo consumido por um incêndio anos depois. Alguns heróis da resistência como falecido Ruprechet Loefler, o famoso ‘seu Loefler’, contava que sua discreta taverna era usada por alemães e poloneses para praticarem sua língua livremente, já que se soletrassem uma palavra estrangeira na rua, corriam o risco de ir parar na cadeia.


MUITOS SOBRENOMES, UMA ÚNICA ORIGEM

Muitos dos nomes e sobrenomes poloneses tiveram suas características morfológicas e fonéticas adulteradas em relação aos originais, “aportuguesando-se como fruto do desconhecimento cartorial e da ignorância da língua polonesa por parte dos descendentes polacos”, revela Tokarski.

Anni Tokarski, que foi presidente da Associação Cultural Polonesa de Canoinhas, lembra que os sobrenomes poloneses são impassíveis de gênero, ou seja, um senhor Tokarski terá uma senhora Tokarska, por exemplo. Anni lembra que como os poloneses que desembarcavam no Brasil não entendiam português e os brasileiros, por sua vez, entendiam nada de polonês, o registro dos nomes ficava a livre interpretação dos cartorários. O uso de cedilha em muitas palavras como o ‘e’, por exemplo, tornavam a interpretação ainda mais errônea.

Em 1920, casamento de Ludovico Pieczarka com Angelina Wojciechowska/Acervo de Fernando Tokarski

A assimilação cultural da parte dos imigrantes fez com que a maioria esquecesse o idioma polaco, deixando de transmiti-lo às gerações sucessoras.

Anni fala com a experiência de quem conviveu por oito meses com uma professora polonesa. Raísa não falava uma palavra em português e veio para Canoinhas a fim de participar de um intercâmbio. Acabou voltando antes do esperado, já que o interesse pela língua polonesa era praticamente nulo em Canoinhas.


EVOLUINDO O CONHECIMENTO

“Brasil é muito arcaico”, repete Anni entre risos ao lembrar uma das frases mais repetidas pela professora polonesa. Raísa se referia a visão que os brasileiros, com especial enfoque em Canoinhas, têm de seu país. A abertura da economia polonesa, que desembocou num boom cultural, evoluiu o país em poucos anos. A rápida evolução passa longe dos trajes típicos que vimos em dançarinos de um grupo folclórico polonês, comandado por Anni, desativado há mais de uma década. Não que as danças fossem atrasadas. Na verdade, o objetivo do grupo que durou dois anos, era resgatar e apresentar a história polonesa para os seus descendentes. “Toda dança (folclórica) tem uma história. Falam de amor, trabalho e colonização”, lembra Anni. A lenha, a floresta, a vodka (para abater o frio), eram elementos comuns nos enredos das danças, já que eram comuns no cotidiano das vilas polonesas no início de sua história. Em São Mateus do Sul, cidade vizinha de colonização polonesa, ainda existe um grupo de danças polonesas, chamado Karolinka.

O grupo canoinhense chegou a ter 20 componentes, mas acabou sendo extinto por conta da dificuldade em se conseguir dançarinos, lamenta Anni, que mesmo assim não desiste de preservar a cultura polonesa.


Um polonês canoinhense

Aos sete anos, Ladislau Babireski estudava na Polônia, onde nasceu em 1925 e onde vivia com a família, quando um incêndio mudou radicalmente a vida dos Babireski. Era uma das muitas madrugadas frias da Polônia, capazes de cobrir telhados inteiros de neve. A palha colocada em cima da casa, para aumentar o aquecimento, perigosamente próxima da chaminé, facilitou o incêndio que, por pouco, não dizimou a família. “Quando meu pai percebeu o fogo, pulou da cama e me enrolou em um cobertor para fugirmos do incêndio”, conta Ladislau. Do incêndio, o polonês guarda uma infeliz lembrança, um ferimento no pé, causado pelo fogo. “Não morremos queimados, porque Deus não quis (…) Ainda ouço os berros de uma de nossas vacas, queimando na estrebaria, parece um sonho”, recorda.

A tragédia de se ver sem nada, obrigados a recomeçar, levou o pai de Ladislau, José, e sua mãe, Ana, se lançarem em uma ousada investida – embarcar para a América, a terra dos sonhos. Em uma das inúmeras caravanas náuticas que vinham da Europa para a América, os Babireski embarcaram. O desembarque foi no Uruguai. De lá vieram para o Brasil, país onde vivia seu irmão, Henrique. Ele morava em São Sebastião dos Ferreira, localidade canoinhense, a 30 quilômetros do centro.

Foi aqui que, anos mais tarde, Ladislau se tornou um dos maiores produtores de linho da região. O linho produzido na fábrica de Ladislau era carregado nos trens da Estação Ferroviária de Marcílio Dias e de lá seguiam para São Paulo (SP), onde eram confeccionadas roupas que corriam o mundo.





Raízes polonesas

A exemplo de muitos europeus, os poloneses Pedro, então com 18 anos e sua esposa, Maria, pais de Francisco Zaziski, desembarcaram no Brasil no início do século 20. Fixaram-se em Iracema, na época localidade de Curitibanos, a qual Canoinhas também pertencia. Foi nessa localidade, que hoje pertence a Itaiópolis, que Francisco nasceu em 1917. “Eles desbravaram os sertões de Iracema”, conta Francisco orgulhoso, se referindo aos pais. A vida era simples e a subsistência baseada na agricultura e pecuária. “Trabalhávamos com lavoura, criávamos gado, porcos, nossas ferramentas eram enxadas e foices, não existia nenhum maquinário sequer”, recorda.

Pedro montou uma pequena loja de ‘secos & molhados’, estilo comum de armazéns, na época, caracterizados por vender de tudo, desde comida até tecidos. A erva-mate e o trigo que Pedro plantava, por exemplo, era comercializado na Venda, o que dava maior margem de lucro para Pedro.

Uma das lembranças da infância de Francisco está justamente na Venda do pai. “Nos fins de semana, os poloneses e ucranianos andavam seis quilômetros a pé para ir até a Igreja Ucraniana na cidade. Saiam cedo e voltavam à uma hora da tarde. Chegavam sedentos e com fome na bodega do me pai”, conta.

Depois de passar um tempo no Seminário e ver que não era o que queria da vida, Zaziski passou um longo período dedicando-se ao serviço público, no qual se aposentou.

Nota: Ladislau Babireski e Francisco Zaziski já faleceram

HERANÇA POLACA

  • Rígido catolicismo;
  •  Igrejas com altas torres;
  •  Casario de madeira com telhado de declive acentuado, varandas enfeitadas com lambrequins (ornamentos entalhados) e o uso da carroça tracionada por cavalos;
  •  Na culinária, pratos como pierog (pastel cozido com requeijão e nata), kapusniak (costela de porco com repolho), aluski (arroz com carnes enrolado em repolho, popularmente conhecido por charutinho), golonka pieczona (pernil de porco assado), bigos (repolho azedo cozido com carnes nobres), salada de repolho roxo com frutas e maionese, sernik (torta de requeijão), broa de centeio, variadas sopas à base de batatinha, repolho e beterraba, além de diversos outros.
  • Em Canoinhas são populares nomes como Alberto, Ana, Estefano, Ladislau, Edvirges e Estanislau, comuns entre os polacos;
  •  Uso de guirlandas para enfeitar portas e portais nas cerimônias festivas.