Acordo celebrado em outubro de 1916 foi sancionado pelo governador catarinense
Há 105 anos, exatamente em 6 de março de 1917, uma assinatura do governador catarinense Felipe Schmidt colocava fim, definitivamente, ao maior conflito já registrado por estas terras: a Guerra do Contestado.
A assinatura sancionava o acordo de divisas entre Paraná e Santa Catarina celebrado em 20 de outubro de 1916. A sanção foi através da Lei 1.146.
A indefinição dos limites territoriais entre Paraná e Santa Catarina se arrastava desde os tempos do Império. Até a vizinha Argentina reclamava a posse de áreas localizadas nessa região. Em 1904 o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos catarinenses e reafirmou a decisão nos anos seguintes. A sentença, porém, foi ignorada pelo governo do Paraná, ajudando a compor um cenário que favoreceu a conflagração.
As terras abrigavam uma rica floresta e extensa plantação de erva-mate. Abastados fazendeiros que acumulavam extensas áreas e assim se tornavam proprietários, pressionavam agregados e posseiros para que deixassem o local. A situação se agravou com a chegada da empresa americana Brazil Railway Company, comandada pelo megaempresário Percival Farquhar, com o intuito de construir a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul. Ali ele instalou a maior madeireira da América do Sul na época e uma companhia colonizadora que, após o desmate, venderia os lotes a imigrantes europeus. Concluídas as obras, cerca de oito mil operários foram dispensados e famílias que moravam nas terras adquiridas pela companhia tiveram que deixar o lugar.
::ACESSE O ESPECIAL CONTESTADO – 100 ANOS DEPOIS
Nesse grave quadro social prosperou um movimento de cunho messiânico, com profetas, beatos e monges pregando ideais de paz, justiça e comunhão. Dentre eles destacou-se João Maria, que reuniu em torno de si posseiros, sitiantes e pequenos lavradores expulsos de suas áreas. Fugindo das forças policiais enviadas pelo governo catarinense, os rebeldes foram para Irani (SC), situada em território contestado. O movimento foi interpretado pelo Paraná como uma investida catarinense para forçar a posse do território, o que fez com que enviasse um destacamento para expulsar os invasores. Em outubro de 1912 a ação terminou de forma trágica, com 21 mortos, entre eles o monge José Maria e o comandante das forças de segurança do Paraná, coronel João Gualberto.
A partir daí o conflito só se intensificou, juntando antigos seguidores do monge com descontentes em geral, colonos expulsos, fazendeiros que se opunham aos coronéis da época, tropeiros sem trabalho, desempregados da ferrovia e até ex-combatentes da Revolução Federalista (1893-1895). Segundo o historiador Paulo Pinheiro Machado, autor do livro Lideranças do Contestado, num determinado momento o litígio tornou-se uma guerra de pobres contra ricos. “Uma guerra daqueles que queriam formar suas comunidades autônomas, onde todos viveriam em comunhão de bens, o que era uma negação da própria ordem republicana, da concentração fundiária, do poder dos coronéis da Guarda Nacional e da força da polícia, do Exército e da companhia ferroviária sobre eles”.
Expedições militares tentaram desmobilizar o movimento que só fazia crescer. O ataque ao reduto de Taquaruçu resultou num verdadeiro massacre. Novos redutos se formaram e o movimento se militarizou. Os últimos combates ocorreram em dezembro de 1915. A captura de Adeodato Ramos, o último e mais temido dos líderes rebelados, marcou o encerramento dos confrontos no inverno de 1916. Em outubro deu-se a assinatura do acordo. Pressionados pelo presidente Wenceslau Braz, cada Estado teve que abrir mão de parte de seus pleitos. A partilha foi considerada favorável aos catarinenses, que ficaram com 28 mil dos 48 mil quilômetros quadrados da área reivindicada.
Na assinatura do acordo, no Palácio do Catete, no Rio – então capital federal – o governador de Santa Catarina, Felipe Schmidt, comemorou a paz. O governador do Paraná, Affonso Camargo, fez o mesmo, mas deixou claro o ressentimento com um desfecho que considerava injusto. Observou que sua decisão se prendia à necessidade urgente de encerrar uma “luta fratricida sem precedentes”. “Ali caíram sem vida oficiais do Exército, bravos soldados das forças nacionais e estaduais e milhares de sertanejos, na sua maioria laboriosos, em uma confusão desumana que dolorosamente impressionou o país”. Ao referir-se aos sertanejos, de certa forma o governador reconhecia que o movimento, hoje tido como uma das maiores revoltas camponesas já ocorridas no Brasil, era mais que uma combinação de fanatismo e banditismo, como queriam muitos.
Uma visão lúcida do conflito foi apresentada ainda na época da guerra, por um jovem comandante do Exército, o capitão Mattos Costa, que defendia uma solução pacífica para o confronto. “A revolta do Contestado é apenas uma insurreição de sertanejos espoliados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança. A questão do Contestado se desfaz com um pouco de instrução e o suficiente de justiça, como um duplo produto que ela é da violência que revolta e da ignorância que não sabe outro meio de defender seu direito”. Estima-se que de 10 mil a 20 mil pessoas morreram durante a Guerra do Contestado.
TRÊS BARRAS

Na região, para além dos muitos caboclos que morreram durante os combates, havia uma disputa territorial por Três Barras. Em 5 de março de 1914 o Município de Três Barras havia sido criado pelo então governador paranaense Carlos Cavalcanti de Albuquerque. O professor e advogado Dídio Augusto assumiu o cargo de prefeito. Como explica o historiador Fernando Tokarski no livro Cronografia do Contestado, depois do acordo de limites de 1916, Três Barras passou a pertencer a Santa Catarina, rebaixada a distrito de Canoinhas. Apenas em 1961, Três Barras se emancipou e passou a condição na qual se encontra até hoje: Município de Santa Catarina.